JESSEANTENADO

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

VICIADOS EM CRACK SERÃO INTERNADOS A FORÇA EM SÃO PAULO



Sob uma forte polêmica, começa a funcionar nesta segunda-feira um acordo entre autoridades de São Paulo que tornará mais ágil a internação forçada de usuários de crack em clínicas de desintoxicação.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram esperar que a ação não se revele mais uma operação repressiva como já ocorreu no passado na Cracolândia - com o intuito aparente de apenas tirar os dependentes de drogas do centro da cidade, sem uma forma efetiva de tratamento.
A ação é baseada em um termo de cooperação técnica assinado pelo governo do Estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Ela cria uma equipe integrada por médicos, assistentes sociais e juízes sediados no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Parque da Luz, próximo a região da Cracolândia.
Segundo o desembargador Antônio Carlos Malheiros - responsável pela parte do TJ na parceria - os dependentes químicos serão levados ao local a fim de passarem por avaliação médica. Caso o usuário necessite de uma internação e se recuse a submeter-se a ela, promotores pedirão a um juiz de plantão que decida sobre uma internação compulsória.
Hoje a lei brasileira prevê três tipos de internação: voluntária, involuntária (por determinação do médico e familiares, se o paciente não tiver condições de decidir) e compulsória (por decisão judicial).
Por ordem do juiz, os dependentes de crack que necessitarem serão imediatamente levados contra sua vontade para uma clínica especializada conveniada com o o governo. Todo o processo deve acontecer em poucas horas.
Ao anunciar a parceria na semana retrasada, o governador Geraldo Alckmin afirmou que o Estado dispõe de aproximadamente 700 leitos especializados para atender os dependentes químicos, a maioria em clínicas conveniadas.
Convencimento
Grupo usa drogas na Cracolândia, no centro de São Paulo (© foto: Getty Images)
"Grupo usa drogas na Cracolândia, no centro de São Paulo (foto: Getty Images)"
Malheiros disse que passou mais de seis meses visitando diariamente a Cracolândia para estudar o assunto. Ele diz acreditar que a solução para o problema do crack em São Paulo não é uma política higienista, de recolhimento em massa.
Para ele, a internação compulsória dos dependentes é necessária, mas deve ser usada apenas como 'um exceção a regra'.
O magistrado afirmou à BBC Brasil que estratégias do governo usadas no ano anterior - nas quais a Polícia Militar dispersou usuários de drogas do centro - não são as mais adequadas.
O ponto que mais preocupa especialistas é como serão feitas as abordagens aos dependentes químicos na Cracolândia a partir desta segunda-feira: por convencimento ou coerção.
Segundo Malheiros, a ideia da parceria é que a PM esteja presente, mas não participe das abordagens - que devem ser feitas apenas por assistentes sociais e agentes de saúde.
Porém não está claro como usuários contrários à própria internação serão levados espontaneamente para a avaliação médica.
Malheiros afirmou que alguns familiares estão se organizando para convencer e levar seus parentes usuários de crack ao Cratod.
Segundo o magistrado, o tempo de internação forçada determinado pelo juiz será de acordo com a orientação dos médicos.
Leia abaixo as opiniões dos médicos psiquiatras Ronaldo Laranjeira e Dartiu Xavier da Silveira, ambos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre o tema da internação forçada:
Contra
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, a internação forçada é negativa, de maneira geral. Ela se justifica apenas em aproximadamente 5% dos casos, quando o dependente de crack também apresenta um problema mental grave. Segundo ele, o tratamento de usuários de drogas mais efetivo é voluntário e envolve visitas regulares a clínicas e centros especializados.
Silveira é um renomado professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes.
Segundo ele, há situações específicas, do ponto de vista médico, nas quais se justifica a internação involuntária. Isso acontece quando o paciente apresenta psicose (delírios de perseguição e alucinações) ou risco iminente de suicídio.
'Essa pessoa pode não ter um juízo crítico da realidade e então cometer um absurdo, mas não é o crack que faz isso com ele, é o problema mental', disse.
A favor
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, internar de forma compulsória moradores de rua extremamente dependentes de crack é um 'ato de solidariedade'. Segundo ele, a maioria das pessoas que chegam contra sua vontade em clínicas de tratamento acabam aderindo voluntariamente ao tratamento após os primeiros dias de internação.
Laranjeira é professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e uma das maiores autoridades no assunto no país. Ele se diz favorável à facilitação das internações compulsórias em casos extremos, desde que acompanhada de uma linha especial de cuidados ao paciente após sua desintoxicação inicial.
Ou seja, apenas em casos realmente necessários, sem a adoção de uma abordagem simplista ou higienista, para ocultar um 'problema' urbano.
'Você tem que cuidar daquelas pessoas que estão desmaiadas na rua (devido ao uso abusivo do crack). Isso é um ato de solidariedade e não cárcere privado', disse.
Segundo Laranjeira, a maioria dos países democráticos já tem mecanismos para viabilizar a internação compulsória. 'Na Suécia, 30% do tratamento psiquiátrico é coercitivo. Os Estados Unidos têm pesquisas que mostram a eficiência desse tratamento e a classe média no Brasil já vem fazendo isso há muito tempo também'.
Segundo ele, a internação por ordem judicial está prevista na lei brasileira e já é bastante comum em São Paulo, mesmo antes do início da atual parceria anunciada pelo governo.
Dos cerca de 100 leitos de uma clínica chefiada por Laranjeira no interior do Estado, 50% são ocupados por pessoas internadas por ordem judicial. Ele diz acreditar que a tendência se repete em toda a rede especializada no tratamento de dependentes químicos.
'Toda semana eu faço uma ou duas internações (forçadas) na minha clínica. Mais de 90% delas em uma semana se tornam voluntárias', disse.

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